quarta-feira, setembro 28, 2005

Pós

Tens mãos de
Terra que me enlameiam
o coração. E no entanto,
não me tocas.
Tens olhos de lagoas
Mágicas donde se levanta
uma densa neblina. E no entanto,
vejo-te a dois dedos de mim.
Tens uma voz de falcão perdido
que chama por mim
e por um Deus ausente. E no entanto,
Não ouço as palavras que preciso...
Escavei em mim um túnel de desejos e de sonhos.
Até te encontrar. Agora,
que o trabalho está feito,
Sinto-me flutuar, inutilmente,
na berma do teu corpo.
Pesadamente, sopro onomatopeias,
entorpecidas por um Amor estúpido
Que me enloquece.
Crash! Bum! Bang!
Caio... Desamparado no meio
da planície mágica que me
devolve alguma Paz.
A mesma que inalo das vinhas
e do ribeiro gelado onde vejo o
reflexo do teu coração, em cada
Gota de água. Não! Água não...
É um ribeiro de vermelho sangue.
Aquele que brota de mim, em jactos,
Brutos.
E no fim,
Meneias o teu machado,
feito de palavras tuas.
Essas assassinas de sonhos
dispersos e achados em volteios
de um derradeiro Tango.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Fuga

Corro, sem nunca sair
Do mesmo lugar. Atravesso
Searas de douradas esperanças
E sorvo, da concha formada
por duas mãos que não as minhas,
Uma água que dizem ser elixir.
Alterado por uma força crescente,
salto um tronco queimado, algures
entre o Aqui e o Αli. E vejo-me
Acolá.
O Sol morre em mil cores de
lume vivo e estendo-lhe o coração
Que aquece...
Intocável, como o arco-íris,
surges detrás de cada memória.
E etéro como ele, permaneces
Imutável. A mim mesmo...
Suspenso dum Tempo
Que não avança,
Contemplo-te.
E é tudo o que me é
Permitido.

sexta-feira, setembro 09, 2005

Às Guitarras

Com volúpia,
as notas iam sendo
arrancadas à guitarra que,
Qual mãe que dá à luz,
ia trazendo a lume uma melodia
melancolicamente reparadora.
A tua sombra negra
em fundo escarlate,
Dançando e vibrando com as
lágrimas dum Fado sentido,
Projectavam cabelos esvoaçantes
num Palco de ilusões...
Cabelos que não tens, mas
que vibravam com a força da tua
Voz...
E eu deixava-me levar... E
Ficar. Ao pé de ti, nesse Palco
que jamais existiu. Subindo montes
e descendo rios, guiado por um trinado
de sons, unidos por uma Saudade
Esquecida numa gaveta poeirenta...
A guitarra geme e a sombra esvoaça
uma última vez. O Pano fecha-se mas
fica a Saudade, desses cabelos,
Da vida.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Quando algo fica por dizer

A minha ilha está hoje coberta por um manto de púrpura saudade e profunda tristeza.
Por entre os braços desse denso nevoeiro, pouco se adivinhará... Sinto-me pequeno e inútil... A maresia corrói-me mas não o suficiente para redimir os meus actos.
O porto que julgava poder ser, não passa de uma armadilha para barcos indefesos que vagueiam, tal como eu, neste mar de indiferença e de má vontade.
No fim de contas, fui igual a tantos outros. Nem a música que me elevava, nem as árvores do pomar que me perfumavam, nem o amor que parecia brotar da tua fonte foram capazes de derrubar o meu egoísmo... Sim, egoísmo; pensar em mim com a desculpa de pensar no próximo.
Feri-me com o meu próprio ferro quente. Sinto a pele e a carne queimarem... O cheiro é insuportável, mas o que está para vir, é pior, muito pior. Nem mil litros de vinagre sobre as minhas feridas vivas poderão fazer-te sofrer um pouco menos.
Esta chuva diluviana, quase opressiva, que cai, sem cessar e sem que ninguém, excepto eu, a veja, já turva estes olhos já de si cansados de tanto chorar. Mas, vai-me lavando também destes maus pensamentos e destas peles já gastas por outros amores nunca vividos.

Encontrei-me à beira duma encruzilhada, por mim, criada. Mas não tenho sinais que me indiquem o caminho a seguir... Alguém irá ficar à beira da estrada, e quisesse o Alto que fosse eu.